Heinrich Philipp Fauth e o seu diário
autoria de Diego de Leão Pufal
[atualizado em 25/11/2013]
autoria de Diego de Leão Pufal
[atualizado em 25/11/2013]
Heinrich Philipp Fauth nasceu a 29 de julho de
1823 em Kreuznach, no Reno Palatinado, Alemanha. Foi filho de Philipp Heinrich
Fauth, nascido em 1789 em Udenheim, também no Reno Palatinado, e de Anna Maria
Bretz, de Kreuznach, todos emigrados da Alemanha no ano de 1825, portanto, na
segunda leva da imigração alemã, e desembarcados em São Leopoldo, no Rio Grande
do Sul, em 04 de fevereiro de 1827. A vida de Heinrich Philipp Fauth não foi
nada fácil, assim como a de sua família, a exemplo dos demais imigrantes
alemães, os quais tiveram que trabalhar muito para buscar seus objetivos, nem
sempre alcançados.
O diário deixado por Heinrich demonstra
exatamente a dificuldade dos primeiros colonos que aqui chegaram. Foi escrito
em 1899, evidentemente em alemão, eis que não dominava o português. Segundo
alguns, este diário teria se perdido na grande enchente de 1941 que ocorreu em
Porto Alegre (porém, conforme Pedro Almiro Fauth, os escritos de Heinrich P.
Fauth teriam sido consumidos pelo fogo, posteriormente à dita enchente), mas
por sorte do destino, uma descendente o compilou meses antes. Em 1996, quando
me envolvi definitivamente com a genealogia, tive a alegria de ser agraciado,
pelo saudoso Sr. Alexandre Tollens Linck, com uma cópia, cuja tradução do
original foi feita pelas senhoras Clody Fauth Schinke e Beatriz M. Fauth.
De sua leitura fiquei fascinado com o verdadeiro
exemplo de vida deixado por Heinrich Philipp Fauth, inclusive por se tratar de
meu penta-avô pelo lado paterno. Em razão disso, mesmo aos que não são seus
descendentes, vale uma leitura, que segue:
“Eu, Heinrich
Fauth, nasci em Kreuznach no dia 29 de julho de 1823 na província de Koblenz,
no reino da Prússia, na Europa, e no dia 19 de agosto de 1825 meus pais
emigraram para o Brasil, com 4 filhos, quando eu tinha 2 anos de idade. Eles
ficaram um ano no Rio de Janeiro, onde meu pai esteve acamado durante 8 meses,
doente. Em 1826 chegamos à velha Feitoria, quando, então, recebemos uma colônia
no Kaiserwald, uma hora distante de São Leopoldo. Quando eu tinha 4 anos, meu
pai morreu afogado no Rio dos Sinos em São Leopoldo. Minha mãe casou com um
homem de nome Adam Becker, o qual maltratava a nós, crianças. Quando eu tinha 8
anos eu trabalhava pela diária de somente 2 vinténs ou 40 réis. Com a idade de
10 anos eu ganhava 6 vinténs ou 120 réis, e, com 12 anos, tive que servir como
soldado com os Republicanos ou Farrapos, no dia em que o Menino Diabo foi
aprisionado em Teresenloch, na Baumschneiz (Dois Irmãos). Neste dia eu me
tornei um soldado, tendo servido durante 5 anos. Nós não recebiamos roupas, nem
soldo. Nós sitiamos Porto Alegre durante 2 anos, mas como nossa comunicação
estava muito escassa, tivemos que nos retirar para Cima da Serra e Vacaria,
através do Matto Português e Matto Castelhano, descemos pelo Botucarai e, no
ano de 1837, em abril, derrotamos os imperiais. Mais tarde, aprendi a profissão
de sapateiro e casei com Elisabeth Schönardie, no dia 25 de março de 1842.
Quando já tinha um filho, no ano de 1845, no dia 13 de maio, eu viajei para a
Campanha, para São João dos Palmos, onde eu fiquei um ano para ganhar algum
dinheiro, quando voltei para casa e morei no Kaiserwald, perto de São Leopoldo,
uma hora distante. Mais tarde comprei uma colônia em Fortaleza, em Mundo Novo,
para onde me mudei, no dia 6 de outubro de 1856, com 6 filhos, 2 meninas e 4
rapazes, e aí, em Mundo Novo, nos nasceram mais 7 rapazes, dos quais, 12 ainda
estão com vida. O filho Heinrich fez a Guerra do Paraguai, onde perdeu uma
perna. Eu continuei com a sapataria e uma pequena casa de negócios (venda). Em
1880 faleceu minha mulher, no dia 13 de outubro. Depois de viúvo continuei com
o negócio ainda 5 anos e fiz todos os meus 10 filhos aprenderem uma profissão.
Em 1883 me naturalizei. Mais tarde, fui eleito para a Câmara Municipal em
Taquara. Passei muito trabalho em minha vida, desde criança. Meu primeiro
salário foi de 40 réis por dia. Como casado passei muitos dias tristes e como
viúvo muito mais, porque, para mim, a vida estava morta. Até hoje, 1889, meus
descendentes contam 50 netos e 3 bisnetos. Eu deixei escrito em um livro alguma
coisa da minha vida e se os senhores jornalistas tiverem interesse como
recordações de um veterano, então os meus filhos poderão copiar e enviar a
estes senhores.”
"Memórias
de Heinrich Fauth
"O motivo
desta narrativa, que eu estou escrevendo para vocês, queridos filhos, é para
permitir-lhes uma visão da vida e do trabalho do pai de vocês, ao qual não
faltaram alternativas na vida. Leiam esta narrativa com atenção, que vocês
poderão tirar dela proveito, em mais de um sentido. Vocês poderão aprender que
uma energética força de vontade, aliada à vontade de trabalhar e à
perseverança, pode conseguir muito. Como esta vontade de vencer fez de um
menino pobre e ignorante, aquele que hoje sou, um homem, que sustentou,
honestamente, os seus, em cujo nome não há mácula alguma, e é respeitado e
admirado por todos. Tudo o que me aconteceu e o que eu sofri é impossível
narrar, pois isto iria encher livros, por isso vou me limitar ao mais essencial
e importante. Meu pai, que era de profissão fabricante de seges e se chamava
Philipp Heinrich, residia no reino da Prússia e era um prussiano do Rheno. Ele
era casado com minha mãe, Anna, nascida Bretz, de Kreuznach, onde também meus
pais moravam e onde eu nasci, no dia 29 de julho de 1823. Logo depois do meu
nascimento, meus pais tomaram a decisão de imigrar para o Brasil, e adotar uma
nova pátria. Meus pais, mais nós quatro filhos embarcamos no dia 19 de agosto
de 1825, de Kreuznach para Hamburgo e, de lá, para o Brasil. Na capital do
Brasil, no Rio de Janeiro, desembarcamos e ficamos um ano inteiro, pois meu pai
esteve oito meses doente, o que consumiu a maior parte do dinheiro que meus
pais trouxeram da Europa, apesar de minha mãe ser de família de posses,
gastou-se muito com médicos, aluguel e comida. A vida no Rio de Janeiro já é
cara em si, ainda mais, oito meses, doente, sem renda, alimentando cinco
crianças. Podem imaginar que isto consumiu uma soma elevada de dinheiro. Depois
que meu pai se restabeleceu, viajamos, em 1826, ao longo da costa brasileira,
para o sul até a província do Rio Grande do Sul, onde não fazia muito tempo
tinham sido fundadas as primeiras colônias alemãs, perto de São Leopoldo. São
Leopoldo, naquela época, consistia apenas de uma choupana de palha, que
pertencia a um alemão chamado Rasch. Nos primeiros seis meses, nós moramos na
Feitoria Velha, então ganhamos uma colônia de terra no chamado Kaiserwald
(Floresta Imperial), cujo nome vem da falecida mãe do atual Imperador do
Brasil, que queria construir, ali, um castelo. Meu pai começou uma plantação e,
quando tinha terminado, foi a São Leopoldo para buscar o subsídio. Na volta,
ele teve que atravessar o rio dos Sinos em uma canoa. Havia mais passageiros na
canoa, alguns com cavalos, que seguravam pelas rédeas e os cavalos nadavam atrás
da canoa. Aí, de repente, a canoa virou e todos os passageiros caíram na água,
e meu pai se afogou. O barqueiro era o velho Coelho, o sogro de Adam Hoefel.
Vocês podem imaginar, queridos filhos, que golpe duro do destino foi, para nós
todos, a inesperada morte de meu pai. Minha mãe ficou sozinha na terra
estranha, sem conhecer o trabalho de plantação da roça, com quatro crianças
menores, que ainda pouco podiam ajudar; meu irmão mais velho, Lorenz tinha
apenas doze anos, minha irmã mais velha, Christine, era uma menina de dez anos,
enquanto minha segunda irmã, Margarete, tinha oito anos, e eu, apenas quatro
anos de idade.
Nenhum de nós conhecia a língua do país, ninguém tinha
noção do trabalho na roça e minha mãe chorou, na ocasião, lágrimas amargas por
causa do desespero. Por este tempo, veio a nós um homem com o nome de Adam
Becker, que se dizia solteiro, entretanto, como, mais tarde, descobrimos, era
casado e tinha abandonado sua mulher com duas crianças na Europa. Ele pediu a
mão de minha mãe e casou com ela em seguida. Este Becker, que era um grande
preguiçoso, e que possuía todos os vícios, tratava sua mulher e os filhos dela
como escravos. Nós sofremos muito com este sujeito grosseiro, muita surra e
pouca comida. Eu apesar de ter apenas cinco anos de idade, tinha que ir para a
roça e lá trabalhar por uma alimentação, que consistia de muita água e nenhum
pão. Eu não sei como nós podíamos suportar uma tal via, sem com isso morrer de
fome. Adam Becker colheu mais tarde, como eu quero antecipar, desde já, a
recompensa por suas brutalidades. Ele faleceu, com setenta e poucos anos, em
Santa Cristina do Pinhal, na maior miséria, quase faminto em seu leito de
doente. Todos nós tínhamos que ir para a roça trabalhar, sem ter as necessárias
ferramentas para isso, porque, naquela época, não existia ferreiro na colônia
que soubesse fazer uma ferramenta adequada. As pás, naquele tempo, eram um
pedaço quadrado de ferro sem aço e pesava de três a quatro libras. Naquele
tempo, ainda era tudo muito barato; uma libra de café custava seis vinténs,
açúcar de três a seis vinténs, como ainda hoje. Um cavalo custava entre oito e
dezesseis “taler” de prata. Uma boa vaca de leite, oito “taler” de prata até um
“dobel” ou seja 12$800 réis ou quase treze “taler” de prata. Riscado e algodão
eram muito baratos mas de qualidade muito pior do que barato: muito estreito e
fazenda velha e podre. A maior casa de negócios em Porto Alegre não tinha, na
época, mais mercadoria que uma casa comum de negócios do interior, hoje em dia.
Calculava-se, naquela época, por vinténs cruzados, tostão e pataca. Um “taler”
de prata ou patacão valia três patacas ou 960 réis. O réis foi legalmente
introduzido entre os comerciantes, depois da revolução. Um trabalhador ganhava
com a enxada quatro a seis vinténs por dia. Em nossa casa paterna os maus
tratos do nosso padrasto estavam cada dia pior, a tal ponto de não se poder
suportar mais. Por este motivo, primeiro meu irmão fugiu e, logo após, seguiram
minhas duas irmãs. Eu sozinho tive que agüentar o canalha. Revolta-me escrever
todos os maus tratos, judiarias e injustiças do meu padrasto, deixa-me,
portanto, continuar minha história. Meu primeiro ganho foi dois vinténs, por
dia, com a enxada. Imaginem, queridos filhos, trabalhar o dia inteiro, no sol
quente, por dois vinténs. Por ganhar o dinheiro tão árdua e lentamente, eu
aprendi a conhecer o valor do dinheiro. Eu tive de começar pequeno, porque no
pequeno está a semente do grande. Tudo começou de indícios pequenos, mesmo a
cristandade, que abrange o mundo inteiro. Naquele tempo, eu vivia com um ganho
de dois vinténs e trabalhava e me organizava, assim que eu não precisava mais
passar fome, e agora podia tomar minha garrafa de vinho ou cerveja sem
escrúpulos. Um dia eu vi um homem queimar carvão e, pensei comigo: isto tu tens
que experimentar e, como eu sempre executo o que planejo, eu ia domingos no
mato e queimava carvão, que eu vendia por doze vinténs a barrica. Nesse
ínterim, começou a revolução. Aí, eu tive também um pequeno ganho extra, pois
os cavalos que não eram alimentados pelos soldados e que morriam e ficavam
abandonados, eu tirava o couro e o vendia para um curtidor, Gerber Becker,
perto de Hamburgo Velho, por duas patacas cada pele. Desta maneira, eu
economizei seis a oito “taler” de cobre, com o que eu comprei camisa e calça de
algodão grosso que, naquele tempo, chamava-se de nada mais que pano de negro,
porque somente os negros usavam aquele pano ordinário. Pouco tempo depois meu
padrasto deveria ser convocado como soldado pelos republicanos. Ele furungou
nos dentes até sangrarem, tossiu violentamente cuspindo sangue para se livrar
do serviço militar, e então ele prometeu me mandar em seu lugar. E assim eu,
menino ainda, tive que fazer a revolução no lugar daquele ordinário. Eu comecei
a servir no dia em que o afamado Menino Diablo foi ferido e preso, na picada
Baum, em Trensenloch. E, assim, eu tornei-me soldado dos republicanos, ou como
era, depreciativamente, chamado: Farrapos. Armas eu não tinha, porque meu
padrasto não me deu sua pistola e eu era muito pobre para comprar uma e os
farrapos não tinham dinheiro para comprar armas e fornecer à sua gente. Por
isso, eu devia cuidar dos cavalos. Poncho, eu também não tinha. Mais tarde eu
servi com o Capitão Lupa, aquele que, mais tarde, se tornaria Mucker. Então se
aproximou o partido imperialista, que nós chamávamos de Caramurus ou Galegos.
Os farrapos, por lhes faltar munição, tiveram que recuar e procurar refúgio na
Serra. Nós tínhamos mesmo acampado em Neustadt, perto de São Leopoldo, quando
veio a notícia de que os Fachinais já estavam em Portão. Logo, veio um
mensageiro com a notícia de que o Hannikel Klos estava morto e que o Becker, do
pescoço torto, estava preso e, também, que os galegos já estavam no morro Eriks
dando tiros. A nossa gente estava toda espalhada, alguns estavam na caça ao
porco selvagem, nos banhados, perto da casa do moleiro Schukelche. Estes foram
avisados imediatamente se juntaram a nós. Havia um verdadeiro caos entre nós.
Mulheres e crianças, que tinham fugido diante do inimigo, vieram a nós
gritando: “os caramurus querem nos matar a todos”. As mulheres berravam por
seus maridos, crianças gritavam por seus pais, as vacas mugiam, os terneiros
baliam e os cavalos relinchavam. Era uma baderna. Neste meio tempo ficou noite
e o inimigo continuava atirando ininterruptamente contra nós, pois eles tinham
munição suficiente, enquanto nossa gente precisava economizar. Primeiro,
tratamos de levar os cavalos para o outro lado do rio, depois nós voltamos e
pegamos o lanchão do Nicolau e carregamos com mulheres, crianças, arreios e
toda a outra bagagem e levamos para a outra margem. Então, nós voltamos
novamente e buscamos o restante dos homens, que tinham ficado para trás, e
estavam postados, atrás da casa de Albino Kämpfer, para deter o inimigo.
Posteriormente, recebemos aviso do Tenente Coronel Coelho, que já se retirara
para Porto Alegre, para nós recuarmos também. Eu comecei a pensar se devia
ficar com os farrapos ou me esconder no mato. Finalmente, decidi-me a seguir
com os farrapos, porque eu pensei, que na força poderia encontrar minha irmã
Christine, que estava casada com o tenente S. T. Titze, já que era costume
entre os oficiais farrapos levar sua mulher junto. Nós marchamos durante toda a
noite, só paramos um pouco na localidade chamada Pataca e Meio. De manhã, às
oito horas, encontrei minha irmã, que com suas duas filhas, Maria e Phlippine,
viajava numa carreta portuguesa. Como nós nos alegramos! Nós e as crianças
tivemos que chorar por este reencontro tão triste. Enquanto minha irmã ficava
numa casa, perto de Dacoloni, nós marchamos adiante até a Aldeia dos Anjos onde
acampamos. No dia seguinte, distribuíram cachaça e fumo entre os homens e,
também, eu ganhei um gole de cachaça e um pedaço de duas polegadas de fumo.
Isto também foi tudo o que recebi dos farrapos, durante cinco anos em que eu
servi com eles. Após, todos os pais de família foram chamados, um passo à
frente, durante a revista, e foi-lhes comunicado que os farrapos, por falta de
munição, eram forçados a recuar e que davam liberdade para cada um voltar para
sua casa. Todavia, os homens, por medo de serem presos pelos imperiais,
preferiram continuar com os farrapos e deram vivas à liberdade. Prosseguimos a
nossa retirada e atravessamos o rio Rolante. Nesse ínterim, o General Bento
Gonçalves quis vir em nosso socorro. Ele já tinha chegado até Campo Bom. Lá,
ele soube, por seus espiões, que nós já tínhamos nos retirado, além do rio
Rolante e que éramos perseguidos pelos imperiais. Era tarde demais, ele teve
que se retirar sem resultado algum. Ele seguiu com seu exército por Portão e
Rio Pardo até Alegrete, enquanto nós continuamos a nossa retirada. De Rolante,
seguimos para Cruzinha. Aqui, se encontravam cinco negros que atiraram contra
nossa infantaria. Esta respondeu fogo e três negros morreram e dois fugiram
para o mato. Então, todos caíram sobre os mortos como urubus. Nós lhes
arrancamos as roupas do corpo. Depois, começou o saque: vacas, bois e porcos e
galinhas foram abatidos, o milho verde da plantação foi assado, as abóboras
cozidas e a cana de açúcar espremida. No dia seguinte, chegamos à entrada de
Cima da Serra. Aí eu vi a crueldade de um amarelo, que laçou um boi de dois
para três anos e, com uma faca de apenas quatro polegadas, num instante, cortou
uma parte da perna traseira e, então, deu-lhe uma facada no peito, o que
derrubou o animal. Depois, ele cortou os dois quartos de um lado, soltou a
carne das costelas e as quebrou, então virou o animal para o outro lado,
enquanto, que este ainda vivo, esperneava. Então, foi feito um churrasco com a
carne, alguns pedaços assados com o couro, que foi comido sem sal, sem farinha
e sem erva mate. Lá, nós ficamos aproximadamente quatro meses e durante este
tempo nós só comemos carne, a cinza servia de sal. Depois, seguimos adiante, atravessamos
o rio Tainhas, de Camisa, das Antas até Vacaria, onde os cavalos e a as
bagagens ficaram na fazenda de Pinto Carneiro. A força principal perseguiu o
inimigo Lorira até Lages. Ele, entretanto, fugia cada vez mais longe e nós não
podíamos alcançá-lo, porque ele sempre pegava os melhores cavalos na nossa
frente, deixando os piores para trás. Por este motivo nós recuamos por Vacaria
até Vila Velha, onde nós recebemos um ofício: nós deveríamos recuar o mais
depressa possível. Então, recuamos em marcha batida noite e dia através do Mato
Português, Campo do Meio. Mato Castelhano até Cruz Alta. Por estas marchas
forçadas e a vida miserável que levávamos, nós estávamos muito depauperados,
nossas roupas estavam rasgadas e pendiam em farrapos do corpo, assim, que nós
andávamos, quase nus, porque não recebíamos roupas para vestir. Piolhos, nós
tínhamos do tamanho de cevadinha. Porque nós não tínhamos meios de nos
livrarmos deles e eu gostaria de ver alguém, que tivesse servido no exército
brasileiro, e não tivesse tido piolho. Os caramurus, neste ínterim, estavam
sitiando Rio Pardo e recebemos uma ordem para, junto com os demais
republicanos, nos reunir em Rio Pardo. Descemos, então, a serra Vutucarahy para
Rio Pardo onde todo o exército republicano estava reunido. Aí foi reunido um
conselho para resolver como e quando seria a batalha. No dia 30 de abril de
1836, às 6 horas da manhã, o inimigo foi atacado com gritos altos de urras,
batido e quase exterminado. No terceiro dia atravessamos o Rio Pardo com cavalhada
e bagagem. Viam-se, ainda, sinais de batalha, muitos cadáveres espalhados pelas
ruas, horrivelmente mutilados e roubados de todas as roupas. O cheiro de
cadáveres empestava o ar. Depois desta batalha, que foi tão favorável para os
republicanos, nós tínhamos a esperança de que pudéssemos e nos permitissem
voltar para casa. O que esperávamos aconteceu, todavia necessitamos de quatro
semanas para ir de Rio Pardo até alcançar São Leopoldo. Lá, fomos liberados e
pudemos voltar para casa. Esperávamos, então, que, agora, teríamos paz, mas
depois de apenas um mês veio ordem para que nos apresentássemos, novamente, ao
serviço. Agora, eu me tornei ordenança do tenente Karl Wilk em São Leopoldo,
junto a Adam Hoefel. Ali, também havia um velho fabricante de tamancos de nome
Michel Kern, que fazia tamancos. Nas minhas horas livres, ia muitas vezes ao
sótão com ele e conversava horas inteiras observando seu trabalho. Pensava,
então, que depois de terminado o serviço militar poderia treinar neste
trabalho. Pouco tempo depois meu padrasto mudou-se para Santa Maria da Boca do
Monte, para ter algum ganho lá, porque ele não queria trabalhar na roça. Minha
mãe e eu ficamos sozinhos e dependentes do nosso trabalho. Aí, foi necessário
pegar com vontade, porque plantado não havia quase nada. Dinheiro, nós não
tínhamos, porque os farrapos não pagavam soldo e nem davam fardamentos. Agora,
iniciei a fabricação de cepos de madeira para tamancos, que vendia, apesar de
serem muito mal feitos, porque me faltavam as necessárias ferramentas. Como não
havia outros, compravam-me tudo. Eu estava, então, com quatorze anos de idade e
comecei a pensar em mim e na minha vida. Eu não sabia nem escrever um número
para marcar os cepos dos tamancos, pois que, durante a revolução, ninguém
pensava em manter ou freqüentar uma escola. Enquanto eu refletia sobre isso,
veio-me na lembrança um homem chamado Heinrich Schmidt, em Hamburgo Velho, que
mantinha uma escola e era, ao mesmo tempo, pastor protestante e, aos domingos,
pregava o evangelho. Quando eu via outros fazerem contas, escrever ou ler, eu
ficava muito triste, porque eu não sabia fazer isto. Eu resolvi também
aprender. Queixei-me para minha mãe e disse-lhe que queria falar com o Pastor
Schmidt, a quem, por sua estatura pequena, chamavam de padreco. Se ele não me
aceitasse, não teria perdido nada, disse comigo mesmo, e fui procurá-lo,
perguntar se ele queria me aceitar como aluno. O pastor Schmidt foi muito
amável comigo e me aceitou com prazer em sua escola, eu, um soldado que já
servira dois anos com os republicanos. Passei, então, a freqüentar a escola. Do
meu falecido pai havia ainda um pedra de louza, um pedaço de duas polegadas do
respectivo lápis e um livro velho do ABC. Assim munido, eu freqüentei a escola
por dois meses. De repente, soube-se que os Caramurus vinham chegando e todos
que tinham participado da campanha da Serra deveriam ser presos e transportados
para a Bahia. A companhia Alemã do Major Gersting atravessou o Carioca e
avançou até Portão, teve, porém, que recuar até o Cahy, onde embarcou um navio
para Porto Alegre. Depois de dois meses, estava tudo em paz e eu pude novamente
recomeçar as aulas que, naturalmente, durante este período, tinham ficado
suspensas. Eu tinha que caminhar mais de uma hora para chegar na aula. Enquanto
eu estava na escola minha mãe carregava os blocos de madeira do mato para casa,
os quais eu utilizava para fazer os cepos dos tamancos. De tarde, eu fazia os
cepos de tamancos, de noite, eu ainda pregava um ou dois pares. Eu já sabia
escrever os números e, com alguma dificuldade, soletrava. Eu devia ser
confirmado, aí soube-se que todos deveriam voltar às armas, mas, felizmente,
estava só de passagem. Eles não poderiam se demorar muito tempo, porque senão
sua retirada seria cortada, e assim eles voltaram para suas cavernas, como se
dizia naquela época. Depois de um mês, pude voltar às aulas e continuar com a
fabricação de tamancos. Eu ganhava já tanto com isso, que pude comprar algumas
roupas. Eu possuía, então, duas camisas de chita, uma de murim e um par de calças
de riscado, um par de botas de couro cru, um casaco azul e um chapéu de palha
de bambu trançada, que eu tinha comprado pelo valor de cinco pares de tamanco.
Logo após, eu aceitei o fornecimento de cem pares de tamancos com Johann Peter
Schmidt, de Hamburgo Velho. O couro para isto ele me vendeu ao preço de
dezesseis tamancos. Com este dinheiro ganho, eu comprei um poncho de viagem por
onze taler. Meu padrasto, que estivera ausente por quase um ano, voltou pouco
antes da minha confirmação. Depois das festividades eu pensei que seria bom eu
continuar mais um tempo na escola e pedi licença ao meu padrasto para ir à aula
do professor Hans, que lecionava na casa de nossos vizinhos Michel Wasen. Eu
queria pagar do meu bolso a mensalidade, que era de uma pataca por mês. Como eu
tinha nove patacões poupados, eu poderia ir ainda nove meses à aula. Mas, em
vez dele me dar licença, meu padrasto me tirou o dinheiro e me esclareceu que
eu era velho demais para ir à escola: eu devia fazer cepos demais para aprender
alguma coisa. Com esta atitude de meu padrasto, eu fiquei tão desgostoso, que
resolvi seguir meus irmãos e abandonar a casa paterna. Quatro meses depois, eu,
de fato, fui embora para a casa de um vizinho e fazia lá os meus tamancos. Mal
eu estava lá alguns meses, tive que ficar novamente soldado, primeiro com o
Capitão Normark, depois com o tenente Karl Wilk e depois com o Major Correia.
Este último era um canalha, enquanto que Karl Wilk era um sujeito bom. O major
Correia é o mesmo que, mais tarde, mandou assassinar o meu cunhado Titze.
Correia, em virtude de um requerimento que meu cunhado Titze enviou ao General
Bento Gonçalves, tinha recebido ordem deste general de se retirar, porque ele
estava arruinando toda a colônia alemã. Por um traidor, Correia soube que o
autor de requerimento fora meu cunhado. Assim, concentrou-se todo o ódio do
miserável Correia em meu cunhado, e a sua morte era um assunto resolvido. Por
intermédio de uma criatura sua, o amarelo Tenente Cunha, mandou chamar meu
cunhado em seu acampamento, deu, porém, a ordem de assassiná-lo no caminho.
Esse assassinato foi cometido nas proximidades de São Leopoldo perto da casa
Mohr. Assim, meu cunhado, que queria zelar pelo bem da comunidade, teve que
pagar com a sua morte. O Major Correia, depois disso, foi chamado para a força
principal em Porto Alegre. Minha irmã Christine, com suas duas filhas Maria e
Philippina ficou abandonada. Ela dirigiu-se, já que meu padrasto não quis se
preocupar com ela, a um muito bom amigo de seu marido de nome Alberto, que, por
muito tempo, trabalhara com ele numa olaria em Passo Pesqueira, no caminho para
São Leopoldo, para lá buscar os seus pertences. Ela estava acompanhada de um
velho negro de nome Mateus, um velho leal e correto. Era inverno e os caminhos
estavam muito ruins, por isso minha irmã teve pena do velho negro, a quem eu já
conhecia muito bem, quando ainda era um rapaz pequeno e, quando chegaram na Boa
Vista, aquém da Capela Santana, disse: Mateus volta daqui, o caminho é muito
ruim e como eu vou pernoitar com Chariel, eu não te preciso mais. Este foi o
último sinal de vida de minha irmã, porque lá, naquele campo aberto ela
desapareceu e nunca mais veio à luz do dia um sinal dela. Acredita-se
firmemente que o mesmo Cunha, que também matou seu marido, fez o mesmo com ela,
porque ele, naquela época, trabalhava, justamente, do outro lado de Portão. Com
que facilidade ele pode emboscar uma mulher indefesa e matá-la, porque ele
sabia muito bem que ela conhecia o assassino de seu marido. Isto, eu sabia
perfeitamente bem, por um fato que agora vou contar: um dia estávamos minha
irmã e eu, em casa de Adam Hoefel, em Neusdadt, e esse perguntou à minha irmã,
durante uma conversa, se ela não sabia quem tinha assassinado seu marido, no
exato momento em que o Cunha passava em frente a casa: quando minha irmã o viu
apontou o dedo para ele e disse: “este é o assassino! Ele matou meu marido!”
Cunha, que ouvira estas palavras e deve ter entendido, virou-se com um sorriso
sarcástico e disse: “deixe estar, algum dia tu me pagas”, daí concluo, que não
foi outro, senão este Cunha, que assassinou minha irmã. Cunha recebeu mais
tarde a recompensa por suas atrocidades, pois que recebeu de um outro, com o
qual ele brigara no jogo de cartas, a ameaça: “espera só, nós nos encontraremos
uma outra vez”, foi fuzilado, exatamente, quando ele queria entrar na porta do
moinho de farinha. Ele gritou ao sentir que estava mortalmente ferido: “eu
sinto que eu devo morrer, mas não importa, afinal eu também já matei sete”.
Quando estive em Capela de Santana, em 1837, lá, um negro, que conhecera muito
bem minha irmã e suas filhas, me contou que o Alberto e sua mulher há muito
tinham morrido, os filhos, porém, ainda viviam. Mandei saudá-los, embora não os
conhecesse e agradecer mil vezes pelo bem que seus pais tinham feito à minha
irmã. Depois que Correia se retirou, nosso Tenente Karl Wilk recebeu ordem para
que nós voltássemos às armas. Tivemos, portanto, que voltar às armas, já de
novo, e montar guarda no Kaiserberg. Para esse serviço foram comandados
dezesseis homens, sempre quatro homens tinham que montar guarda, quatro dias
seguidos. Assim era naquela época. Mal e mal tínhamos alguns dias de descanso,
tínhamos que voltar para o serviço. Que tanto o comércio quanto a vida eram
atrapalhadas, não pode causar admiração em ninguém. Os negócios iam muito mal,
mas, até agora, eu nunca estivera acostumado a coisas boas. Eu estava com
dezessete anos e não tinha aprendido quase nada, e, enquanto eu estava de
guarda, tinha tempo suficiente para pensar no meu futuro. Entre os demais
homens da guarda, se encontravam diversos pais de família, que tinham, em casa,
muitas coisas importantes para fazer. Dentre eles, um, Johannes Schönardie,
falou: “Heinrich tu podes fazer a guarda por mim, eu te dou uma pataca de prata.
Tu podes também comer e dormir lá em casa”. Só se fazia guarda de dia. Eu
pensei: melhor pouco do que nada e aceitei a oferta. Através deste, veio um
outro e me ofereceu duas patacas de cobre se eu fizesse a guarda por ele.
Lembrei-me que eu já tinha trabalhado por dois vinténs para limpar a plantação
e aceitei a oferta. Num domingo de tarde, no terceiro dia de minha guarda no
Kaiserberg, vieram, repentinamente, os imperiais que nos perseguiam e se
aproximaram do nosso posto. Três deles se atreveram até o pé do morro, enquanto
os outros ficaram para trás. Nós, Jacob Wasen e eu, estávamos bem sozinhos e
demos um tiro de alarme, como estava combinado, para que todos, que deviam ter
dia e noite, a toda hora, seus cavalos prontos para montar, se reunissem no Kaiserberg.
Os imperiais se tornavam cada vez mais atrevidos, desciam dos cavalos, deitavam
as espingardas em cima das selas, miravam e atiravam, assim, que as balas só
zuniam por nossas orelhas. Mas, bem para cima, eles não se arriscavam, pois não
sabiam quantos nós éramos. Nós, com as pistolas de tiro curto, não podíamos
fazer-lhes nenhum estrago. O auxílio que tínhamos pedido não havia jeito de
chegar, daí demos mais um tiro de alarme. “Se não vier socorro em breve”, eu
disse para meu camarada, “tu vais ver que nós temos que fugir. O raio que os
parta, esses caras atrevidos”. “Qual nada”, respondeu Jacob, “seria uma
vergonha para os republicanos se eles nos deixassem em falta”. Jacob tinha um
bom cavalo, mas eu tinha um matungo velho, no qual não podia me fiar.
Ansiosamente esperávamos auxílio. Finalmente eu vi o Peter vir a galope.
Alegremente, eu disse isto para o meu companheiro, aí começaram a vir os
outros, vieram: o Peter, o Valentim e o Franz, todos numa louca carreira.
Hurra! Agora vocês vão ver seus canalhas, como nós vamos matá-los. Quando os
imperiais viram que nós receberamos reforços, fugiram e nós atrás deles, os
perseguimos até a mata virgem. Então, nós voltamos lentamente até o nosso
Kaiserberg. O Kaiserberg não é muito alto, mas está localizado no meio da
colônia alemã, bem livre, assim, que dele tinha-se uma vista para todos os
lados. Devido a esta bonita situação é que a Imperatriz o escolheu para a
localização do seu castelo. Como nós tínhamos rechaçado o inimigo, nós achamos
que o perigo tinha passado. Tínhamos agora, novamente, tempo para descanso e eu
podia pensar nos meus planos para o futuro. Ler, fazer contas e escrever, eu
sabia muito mal. Eu pensei: porque eu vou escolher mais, eu vou ser sapateiro,
aí eu posso ganhar o meu pão na sombra, porque eu me lembrava, ainda, que por
dois vinténs por dia, eu tinha que limpar a roça, onde o milho estava bem
amarelo de tanto inço. Como eu era o menor e o mais moço de nossos camaradas,
eu expus a eles a minha resolução. Todos eles: Jacob, Friederich, Juan e
Valentim aprovaram. Um pai que podia me aconselhar e ajudar, eu já não tinha
mais. Procurei imediatamente um mestre e fui a ele, depois de me despedir de
meus camaradas, no dia quatro de agosto de 1840. Mal eu estava lá oito dias,
quando aqueles três caras, que nós havíamos espantado há dois meses atrás
apareceram lá. Felizmente eles não me reconheceram, se não eu poderia ter
passado maus momentos. Eu pensei: aqui não está bom e deixei aquele mestre e
fui aprender com outro homem de nome Wilhelm Hartz, onde eu terminei meu
aprendizado.
No dia 25 de março de 1842, me casei com Elisabeth, filha
de Johannes Schönardie e de sua mulher Maria Elisabeth, nascida Zollinger. Nós
fomos casados pelo pastor Heinrich Schmidt, o mesmo que me confirmou. A revolução
ainda não havia terminado e a paz ainda não havia sido feita, porém já havia
comércio na colônia, pois que os republicanos haviam se retirado para a
Campanha. Eu pretendia inicialmente morar oito meses com meus sogros. Nós
éramos todos muito pobres. Ninguém possuía um cavalo ou uma vaca. Depois,
construi uma choupana de palha, na colônia de meu pai, no Kaiserwald, e
organizei uma pequena roça. Eu trabalhava como sapateiro, fazia cepos para
tamancos, pregava tamancos. Mas o povo era pobre e por isso andava descalço. Eu
fazia péssimos negócios. A minha mulher era muito trabalhadeira e boa dona de
casa e sempre esteve fielmente ao meu lado. Nós nos esforçávamos e
trabalhávamos para poder viver sem fazer dívidas, porque emprestar não era moda
naquela época. E, assim, conseguimos com o tempo comprar dois cavalos de
montaria e três vacas que vieram da Campanha. Duas vacas morreram de peste,
logo em seguida, o que foi um golpe duríssimo para mim, iniciante. Foram
dezenove “taler” de prata que os urubus comeram. No dia dez de dezembro de 1844
nasceu-nos um filho que, em seguida, foi batizado com o nome de Heinrich. Como
os tempos estavam cada vez piores, eu me lembrei de meu irmão, que, já há
dezesseis anos, morava na Campanha. Escrevi-lhe e perguntei se lá poderia fazer
bons negócios. Meu irmão respondeu logo, que sapateiros podiam se sair muito
bem lá. Fiquei, por isso, com vontade de ir até lá. A maior dificuldade para
mim era como chegar no local da moradia de meu irmão, porque, em primeiro
lugar, eu não tinha dinheiro, em segundo lugar, não sabia o caminho e, em
terceiro, não sabia falar português. Mais tarde, meu irmão mandou um recado
verbal por intermédio de um certo Phillipp Schneider, se eu quisesse ir, que me
encontrasse, no mês de maio, em Rio Pardo. Ele chegaria lá com cinco carretas e
poderia me levar com ele. Meu irmão era um homem trabalhador e esforçado, mas
era pobre, e não progredia por causa de sua mulher. Ele era casado com uma
brasileira. Uma mulher muito boa, mas as brasileiras não estão acostumadas ao
trabalho, assim a chocolateira, a chaleira e a cuia de erva com açúcar e o
chimarrão não param o dia inteiro. Nunca faltavam hóspedes na mesa, como é de
costume nas casas brasileiras, mas, naturalmente, sem dinheiro. Eu gostaria de
viajar até lá e discuti este assunto com minha mulher. Ela achou que, se eu
pensava que poderia ganhar alguma coisa lá, eu deveria viajar sozinho. Ela
ficaria em casa com as crianças. Com o lucro eu deveria comprar vacas leiteiras
e trazê-las. Respondi que eu também tinha pensado nisso e procuraria trazer dez
vacas leiteiras. Poderíamos, então, levar uma vida folgada e agradável, já que
uma libra de manteiga custava, naquele tempo, 480 réis e uma dúzia de
queijinhos, a mesma coisa. Sem se provar não se sabe o gosto, e eu resolvi
viajar, por água, para lá. Eu me informei em São Leopoldo com Mathäus Sefrei se
ele não mandaria, em breve, um lanchão para Rio Pardo. Ele disse, que, no fim
da próxima semana, um lanchão seria enviado para lá, e eu me comprometi a
viajar com ele. Pela passagem e pelo frete de minhas ferramentas e um fardo de
couro, eu deveria lhe pagar dezesseis mil réis. No dia 13 de maio de 1845, eu
me despedi de minha mulher e filhos e fui para São Leopoldo para embarcar. Como
faltava para Mathäus um marinheiro, ele me disse: “Heinrich, tu podes ajudar a
remar na viagem e não precisa pagar nada.” Eu respondi que nunca tinha remado,
mas ele achou que isto não importava, que isto eu aprendia. Assim, eu me tornei
também marinheiro. Dia 14 de maio zarpamos de São Leopoldo e encostamos no
Carioca, onde fizemos café. Depois, nós viajamos mais uma hora e encostamos o
barco, amarramo-lo e deitamos para dormir. De repente acordou-se o Jacob
Sefrein e ouviu a água borbulhando no barco. Ele acordou, imediatamente, todos
e gritou: “Mathäus, todos para fora, o barco tem um furo.” Logo, todos entraram
em atividade e o buraco foi tampado e a água bombeada para fora do barco. Os
sacos de baixo de nosso carregamento, que se compunha de farinha de mandioca,
tinham ficado molhados e, por isso, nós tivemos que parar em Três Portos e
descarregar; jogar a farinha molhada fora e recarregar. Seguimos viagem e, à
noite, encostamos numa enseada, visto que ameaçava um grande temporal no céu.
Choveu a noite inteira e o dia seguinte também, assim que as águas do rio Jacuí
subiram. Nós tínhamos que remar contra a correnteza e avançamos, por isso,
muito devagar. Em Triunfo, foi engajado mais um marinheiro. Normalmente
leva-se, numa viagem de São Leopoldo para Rio Pardo, oito dias, mas nós levamos
15 dias e com risco de vida, porque o barco era velho e podre. Os alimentos
escasseavam, carne, banha e sal não tinha mais. De manhã, recebíamos chá com
farinha sem açúcar, e às dez horas e de noite ganhávamos batatas sem banha e
sem carne. Fiquei, por isso, tão fraco que cheguei a desmaiar. Finalmente,
chegamos a Rio Pardo à noite. Na manhã seguinte, informei-me sobre meu irmão,
que devido à enchente, não chegara ainda. Assim, eu estava sozinho na grande
cidade. Ao meio dia apareceu no barco um sapateiro fabricante de tamancos de
nome Heinrich Trause e me perguntou se eu não queria trabalhar com ele, e me
ofereceu, para pregar um par de tamancos, 40 réis, mais alimentação, moradia e
roupa. Eu pensei comigo: tu tens que pregar muitos tamancos até conseguir
dinheiro suficiente para uma vaca leiteira. Contudo aceitei o emprego, porque
meu irmão poderia levar ainda oito, talvez quatorze dias para chegar devido à
enchente, porém com a condição de que, quando meu irmão chegasse, eu iria
embora com ele. Todo dia eu ia três vezes até a ponte para me informar com os
viajantes, que vinham à campanha, sobre meu irmão. Ele chegou depois de oito
dias e fez suas compras na cidade. Comprei para mim um cavalo por dezesseis mil
réis, os arreios eu tinha trazido comigo. Nós saímos juntos a cavalo e chegamos
até Cruz Alta cinco horas depois e lá pernoitamos, na casa de um fabricante de
carretas de nome João Batista, um conhecido de meu irmão. Começou a chover
torrencialmente, assim que todos os riachos e rios subiram e inundaram as
margens. Era junho de 1845, e foi uma das maiores enchentes jamais havidas. A
água passava por cima do corrimão da ponte do Rio Pardo. Nós não podíamos ir
adiante e tivemos que ficar esperando. Nesse ínterim, apresentou-se o
verdadeiro proprietário do meu cavalo, que tinha sido roubado e eu comprara dos
ladrões e, que, agora, me foi tirado, sem mais nem menos. Isto foi novamente um
grande prejuízo para mim, porque dinheiro eu não tinha mais e os cavalos,
naquela ocasião, logo após o término da revolução, eram muito raros. Assim, eu
fui a pé com meu irmão, no 17º dia, tanto tempo tivemos que ficar parados, já
que saímos, no dia 26 de junho, de Cruz Alta. A viagem foi através de
Vutucarahy, São Lourenço, Santa Bárbara, São Sepé até que enfim chegamos a São
José dos Palmos, onde morava meu irmão. Sua casa lá era como eram todas as
casas de gente pobre da campanha. Eu me sentia feliz por ter chegado ao fim da
viagem, no dia 27 de julho de 1845, porque, durante esta viagem, eu tivera que
suportar muita coisa. Eu logo vi que não seria tão fácil de ganhar o suficiente
para comprar as dez vacas leiteiras, e, que também na campanha as pombas fritas
não vinham voando para a boca da gente. Eu comecei a trabalhar, os preços não
eram ruins, pois que um par de botas de meio cano de vacum ou veado, eles
pagavam de 10 a 12 mil réis. Botinas não estavam na moda e chinelas custavam 3
mil réis o par, para mulheres, 2 mil, e, para crianças, 500 réis, tamancos para
homens 1 mil réis. Assim, eu poderia ter feito bons negócios, se a mania de
vender fiado não estivesse tão em moda e não existissem tantos velhacos lá.
Principalmente deve-se ter cuidado com os muitos alemães que perambulavam pela
campanha: esses são os piores. Meu couro estava quase terminando porque eu não
pudera levar muito e, lá, o couro era muito raro. Eu precisava, pois, ir para
casa e me suprir novamente de couro. Na viagem de volta eu corri perigo de vida
três vezes: ao atravessar rios alagados desconhecidos por mim. Eu cheguei
felizmente em casa, fiz minhas compras e, no dia 25 de outubro, me despedi
outra vez da mulher e dos filhos, para novamente viajar para a campanha. No dia
10 de novembro, cheguei de novo em São João dos Palmos e comecei outra vez a
trabalhar com ânimo novo. Meu irmão, logo após, fez uma viagem a São Borja. Eu
tinha que fazer em sua casa muitos trabalhos que não me competiam. Meu irmão
não tinha terra própria e morava nas terras de um estancieiro. Este conhecia
muito bem a situação e gostava de todos que trabalhavam com afinco. Ele ofereceu-me
dois quartos junto ao moinho movido à força de boi e também alimentação em sua
casa. Eu aceitei sua oferta com alegria, porque o homem me tratava muito bem e
com muita decência. Quando eu tinha trabalhado de novo todo o meu couro, pensei
em ir para casa. Do plano de comprar vacas leiteiras eu desisti, e comprei de
diversos senhores 15 éguas, 5 cavalos e um garanhão, para em casa começar uma
criação de cavalos. Para que não me recriminassem de fazer criação de cavalos
em propriedade alheia, eu comprei a parte de meu irmão na colônia paterna por
100 taler de prata. Eu quis, então, reunir as éguas, mas não foi possível,
porque essas éguas não se deixaram pegar assim no mais, de modo que eu só
consegui reunir 9 éguas e 3 cavalos. Então, eu ainda quis cobrar os meus
haveres para depois voltar para casa, mas só consegui 50 mil réis. De um, que
me devia 150 mil réis, tive que aceitar, como pagamento, um par de esporas, no
valor de 100 mil réis, assim, que só deste eu perdi 50 mil réis. Além disso,
ainda tinha 200 mil réis em outras mãos que eu tinha que considerar com
perdidos. Ao menos, eu tinha aprendido a falar português e, no contato com
pessoas, tinha ficado mais inteligente, mais cuidadoso e mais experiente. Mas
agora eu tinha que voltar para casa. Que ficasse para trás ou perdido o que
quisesse. Na viagem de volta, eu novamente passei por maus pedaços. Choveu
muito e, ao atravessar em Santa Bárbara, eu perdi 3 das minhas melhores éguas e
2 ficaram tão cansadas, que eu tive que deixar para trás por qualquer preço.
Dia 22 de novembro de 1846 cheguei finalmente em casa, só com 4 éguas e 3
cavalos. Agora peguei um aprendiz de nome Heinrich Fleck e nós aprontamos uma
partida de sapatos, botas de cano curto e longo, chinelos. Com isto, seguimos
dia 23 de junho de 1847 para a campanha, para mascatear, meu aprendiz, levei
junto como peão. Depois de Taquari, comecei novamente a vender fiado, mas
também vendíamos a dinheiro e trocávamos cavalos e éguas por calçados. Nós
fomos, através do Formigueiro Boqueirão depois de São João, Caçapava, São
Gabriel e, de lá, de volta para São Sepé, lá, vendi fiado o resto dos sapatos.
Um alemão, que lá morava prometeu me cobrar os haveres e também aceitar cavalos
em pagamento das dívidas. Ele me logrou, depois, de uma maneira escandalosa.
Depois disto voltamos para casa onde chegamos em 24 de novembro de 1847. Eu
tinha dinheiro junto, mas, como eu não queria plantar nada, eu precisava sempre
meter a mão no bolso e, em pouco tempo, o dinheiro tinha quase esgotado. Eu
cerquei minha plantação e derrubei mais um pedaço de mato e plantei milho e
mandioca. Depois, eu comprei em Capela de Santana algumas vacas leiteiras,
trabalhava como sapateiro, fazia tamancos e trabalhava na roça. Todavia, este
último, não pude mais suportar, por isso comprei em sociedade com Georg
Wallauer, de um tal Phillip Grün, 24 celas lavradas a 19 mil réis cada uma e
com isto saímos em viagem, em 28 de janeiro de 1848, para Cima da Serra, para
lá vendê-las. Tomamos nosso caminho por Taquara do Mundo Novo, de onde nós
saimos, de manhã, com quatro cavalos carregados. O caminho de Taquara para a
serra, naquela época, era muito ruim e não havia moradores no caminho como
agora. Depois de nossa partida, começou a chover torrencialmente e, apesar de
termos caminhado valentemente, não conseguimos sair do mato de noite, e fomos
obrigados a pernoitar no mato. Desencilhamos os cavalos e amarramos numa
árvore. Imaginem só nossa situação, cansados, molhados e respingados de barro
até a alma, esfomeados, pois não tínhamos conosco nada para comer, e também não
podíamos fazer fogo por causa da chuva. Pasto para os nossos cavalos, também
não tínhamos e não podíamos deixá-los soltos, nesta selva, por causa dos
tigres. No dia seguinte, marchamos até o campo onde deixamos nossos cavalos
pastarem. Começou novamente a chover e o frio vento sul quase nos congelou. Nós
seguimos logo adiante e marchamos até a casa de um homem de nome José Velho. Lá
nós fizemos fogo e secamos nossas roupas, descansamos mais um dia e começamos a
vender nossas selas. Fomos obrigados a trocá-las por cavalos, pois, o dinheiro,
havia pouco na serra. Viajamos para Vacaria até Vila Velha e, de lá, novamente
de volta, cruzamos da direita para a esquerda, até que tínhamos vendido todas
as nossas selas. Então, nos pusemos no caminho de volta para casa.
Na casa de um tal Antonio Sant Pereira, no Pinheirinho,
queríamos descansar um dia e pegar as bagagens que tínhamos deixado lá um dia.
Um dia de descanso transformou-se em quatorze, porque começou a chover tão
forte que o rio das Antas encheu tanto que não dava passagem. Este rio das
Antas é tão violento que, com água à altura de três pés, só se pode atravessar
com perigo de vida. Nessa viagem pela Serra nós também padecemos muito. Os
serranos, naquela época, eram ainda muito pobres e não podiam oferecer nada
mais que leite, queijo ou milho cozido como alimentação. Carne não havia. Feliz
fiquei, eu, quando, após uma viagem de sete semanas, com nossos cavalos,
chegamos novamente em casa. Neste ínterim, haviam chegado muitos cavalos da
campanha, assim que o preço dos mesmos baixara muito. Por isso, fui obrigado a
vender os cavalos com prejuízo para poder pagar as selas que havia comprado à
crédito. O resultado desta venda não dava para pagar a dívida e as éguas, que
eu trouxera no ano anterior da campanha, tinham morrido, assim, eu só tinha
azar em todos os lados e, com todas as minhas viagens e dificuldades, não havia
ganho quase nada. Tomei, por isto, a resolução de não sair mais de casa para
viajar e disse isto para minha mulher: “Queira Deus que seja assim” disse ela e
eu lhe respondi “sim, sim, tu já vais ver, eu agora mesmo vou fazer uma
plantação de mandioca”. Mas, também nisto, eu tive azar, porque eu estava
pronto para mandar fazer farinha, o preço do saco caiu de quatro mil réis para
800 réis. Com o gado, eu também tinha azar. Se eu comprava três animais, num
ano, era certo, que no ano seguinte, morriam dois. Logo depois estourou a
guerra contra Rosa e o governo mandou fazer na colônia os fornecimentos para os
militares como lanças, arreios, selas, sapatos e botas. “Agora”, eu disse para
minha mulher, “agora vai ficar melhor”, e de fato ficou melhor. Eu trabalhava
na sapataria e minha mulher me ajudava. Nós ganhávamos 2 mil réis ou até mais
por dia. Tinha eu juntado uma certa quantia, comprava uma vaca leiteira, mas
esta morria, logo em seguida, por causa do campo ruim que eu tinha e, assim, eu
só alimentava os urubus. Pela vida irregular que eu havia levado no tempo da
revolução e posteriormente, eu tinha arruinado de tal maneira minha saúde que
minha mulher temia que eu morresse em breve. Se isto acontecesse ela teria
dificuldades em se manter, neste campo ruim, que eu tinha. Comprei, por isto,
na Picada Hartz, uma colônia de mato por 300 mil réis e preparei uma roça. Mas,
como lá não poderia ganhar nada com a minha profissão, eu declarei para minha
mulher, que lá não iria construir nada para morar. Eu já tinha ficado doente de
derrubar mata e não podia, devido ao meu corpo adoentado, sustentar com o
trabalho de plantação. Eu gostaria de ir para um lugar onde tivesse terra boa e
onde eu poderia trabalhar na sapataria, aí me lembrei do Mundo Novo. Justamente
nesta ocasião Peter Bauer, do Fortaleza do Mundo Novo, queria vender a sua
colônia, que me foi oferecida e que eu comprei dele, no ano de 1854, por 1100
mil réis. As minhas terras no Kaiserwald e na Picada Hartz eu vendi. Além de
outros azares, foram me roubados, ainda, 138 mil réis em dinheiro, de maneira
que eu perdi toda a vontade de permanecer no campo. Nós nos mudamos no dia 6 de
outubro de 1856 para o Mundo Novo e levamos um peão, Peter Augustin, junto. Nós
já tínhamos naquela época 6 filhos, 4 rapazes e 2 meninas. Um rapaz tinha
morrido, o filho mais velho tinha 11 anos e a menina mais moça 16 meses.
Fortaleza não tinha, então, muito boa fama, diziam sempre que a terra não
prestava. Eu, porém, embora entendesse pouco disto, pensei onde tem inço forte
aí, também, deve nascer bem feijão e milho e assim aconteceu mesmo. A terra
aqui é boa, naturalmente, precisa-se trabalhar bem para deixá-la sempre limpa.
Nós nos instalamos primeiro numa choupana que existia na colônia e começamos,
imediatamente, a derrubada do mato para conseguir um pedaço de capoeira para a
plantação. Nós cercamos, então, o potreiro e queimamos a plantação, na qual nós
plantamos quatro quartos de milho. Após, construimos uma cozinha e um depósito
para milho. Este foi o trabalho que nós, meu peão, minha mulher e eu fizemos em
três meses. No primeiro ano já comecei a vender milho. Em janeiro de 1857 recomecei
a fabricação de cepos de tamancos, tamancos e sapatos. Todas as peças que eu
fabricava vendia em casa mesmo aos viajantes, porque minha casa estava perto da
rua principal que ia de Taquara para Cima da Serra, Vacaria, Campos Novos até
Lages. Logo tomei um aprendiz trabalhador e nós fizemos um bom trabalho, que
era muito procurado, enquanto minha mulher e os filhos trabalhavam na plantação
e, às vezes, trabalhavam na sapataria. Bom foi que eu aprendera a falar
português na campanha. Minha mulher e meus filhos não falavam português. Tudo
ia cada vez melhor e, todo dia, entrava dinheiro. Como a nossa moradia era
muito ruim começamos em 1859 a construir, e a casa ficou pronta em 1860. Para a
inauguração, por ocasião de Pentecostes, eu contratei músicos. O custo da obra
importou em torno de 1.500$000 mil réis. Ao lado da sapataria e da fábrica de
tamancos, eu comecei também com uma pequena venda, porque, sempre eu podia
vender alguma coisa, quando se tinha alguma coisa para vender. Vejam, meus
filhos, quanto eu já havia ganho em três anos com trabalho incessante e
persistente. Meus filhos tinham que ajudar trabalhando com muita vontade. O meu
filho mais velho, Heinrich, que não tinha vontade de ser sapateiro, eu mandei
para Taquara para aprender a profissão de ferreiro com Korndörffer. O segundo
filho Georg e o terceiro filho Johann aprenderam a fazer sapatos comigo. Em
Fortaleza, nasceram-nos mais sete filhos. Em frente a uma de minhas terras,
localizava-se 1/4 da colônia de Gottfried Eberts, a qual comprei por 475 mil
réis. Posteriormente, eu comprei uma colônia de F.W. Pohlmann, por 1.200$000
mil réis, contígua as minhas terras e, um ano mais tarde, uma colônia vizinha
de Karl Hürt, também por 1.200$000. Neste ínterim, estourou a guerra com o
Paraguai, e o meu filho mais velho teve que ir para a guerra, enfrentar o
inimigo. Ele voltou com vida mas como um aleijado; ele tinha perdido a perna
direita. Eu continuei a trabalhar com afinco na minha profissão, porém, sempre
só com um aprendiz e ensinei ainda dois de meus filhos, Friedrich e Phillipp,
assim como diversos aprendizes estranhos, a arte da sapataria. Com a venda
fiado para Cima da Serra, Vacaria e Lages eu perdi muito dinheiro e tomei o
propósito de, mesmo fazendo menos negócios, vender somente a dinheiro e
emprestar dinheiro a juros de seis por cento. Também aí eu tive grande
prejuízo: um compadre meu, de nome Friedrich Gutke, queria comprar uma casa e
um pedaço de terra e como ele não tinha dinheiro para isto pediu-me empréstimo
de 2.800$000 mil réis. Eu lhe emprestei este dinheiro, em 30 de junho de 1870,
a juros de seis por cento, com o que ele comprou uma casa e uma terra e
estabeleceu-se com um negócio. Passados cinco anos, Gutke faliu e morreu. Já se
passaram 14 anos e eu não recebi nem juros nem o capital de volta. A situação,
aqui, não aconselha a aumentar o negócio e eu procurei aplicar as minhas
economias na compra de terra, para que meus filhos tivessem uma propriedade,
com a qual pudessem se manter. Comprei ainda mais uma colônia de José Martins
Pires, por 3.000$000 réis. Depois, em companhia de minha mulher, fiz várias
viagens de passeio para Cima da Serra, São Leopoldo, Porto Alegre e São João de
Montenegro para me distrair e esquecer o aborrecimento pelos prejuízos havidos.
Até então, seis de meus filhos já estavam casados. Mais tarde, eu comprei de
Friedrich Wilk mais quatro colônias muito boas, no Rio da Ilha, ao preço de
cinco contos de réis todas. Nossa casa de moradia era um pouco pequena para
nossa família e eu disse para minha mulher: “nós vamos fazer um aumento na
nossa casa, de tijolo com três quartos e acrescentar um porão. Esta vai ser
nossa casa de moradia, quando nossos filhos tiverem saído do colégio.
“O plano
começou a ser executado, em 1877, e, em 1878, a casa ficou pronta. Agora tudo
ia como desejávamos, dinheiro ganhava-se diariamente, os filhos estavam com
saúde e felizes, só a saúde de minha mulher deixava a desejar. Já durante a
construção da casa ela estivera adoentada, sentia-se, às vezes melhor, às vezes
pior. No começo, ela não sentia nenhuma dor, até que, em junho de 1880, começou
uma tosse seca, assim que, seguido, ela tinha que passar noites inteiras
sentada na cama, tossindo. Três dias antes da sua morte, surgiu, ainda, uma
hidropisia, e, em 12 de outubro de 1880, o seu sofrimento teve um fim. Ela
permaneceu lúcida até o último momento. Assim, eu perdi minha cara e fiel
companheira de vida, que, durante todos os dias de minha vida esteve a meu lado
e que repartiu comigo alegrias e tristezas, dias difíceis e bons. Os filhos que
nasceram durante nossos 38 anos de casados foram os seguintes: 1 – Heinrich,
nascido em 10 de dezembro de 1844 – ficou ferreiro; 2 – Georg, nascido em 18 de
dezembro de 1847 – ficou sapateiro; 3 – Katharina, nascida em 26 de novembro de
1849; 4 – Johann, nascido em 30 de junho de 1853 – ficou sapateiro; 5 –
Paulina, nascida em 14 de junho de 1855; 6 – Friedrich, nascido em 24 de junho
de 1857 – ficou sapateiro; 7 – Johann Ignaz, nascido em 15 de junho de 1859 –
ficou fabricante de selas e curtidor de couro; 8 – Phillipp, nascido em 6 de
junho de 1861 – ficou sapateiro; 9 – Friedrich Wilhelm, nascido em 12 de maio
de 1863 – ficou fabricante de selas e curtidor de couros; 10 – Francisco,
nascido em 6 de abril de 1865 – ficou alfaiate; 11 – August, nascido em 16 de
agosto de 1867 – ficou marceneiro; 12 – Michael, nascido em 21 de dezembro de
1871 – ficou fabricante de selas e curtidor de couro. Os oito primeiros, por
ocasião da morte de minha mulher já estavam casados, com exceção de Friedrich e
Phillipp que estavam noivos. Os mais moços ainda freqüentavam a escola. No ano
de 1881, comprei mais um quarto de colônia de meu vizinho Ludwig Huf, por
625$000 réis. Quando eu deito um olhar retrospectivo na minha vida eu penso,
que cumpri com meu dever para com os meus filhos plenamente. Nunca poupei
trabalho e esforço para chegar a ser um verdadeiro pai para meus filhos.
Lembrem que, no ano de 1832, só ganhava dois vinténs por dia e, pela morte de
minha mulher, eu tinha uma fortuna de cerca de 3 contos de réis, conforme
demonstrou o inventário, que eu por certo não poderia ter ganho sem trabalhar.
Mas, não obstante, desde a morte de minha mulher não vivo mais satisfeito, eu
me sinto abandonado e só, no mato. Dizem que o homem e a mulher são como uma só
pessoa. Muitas vezes faço viagem de passeio para me distrair e esquecer estes
pensamentos. Assim, eu viajei para Santa Cruz, Porto Alegre, Rio Pardo,
Cachoeira, Jacuhy, Cima da Serra até o Campo dos Bugres, na colônia italiana.
No dia 9 de novembro de 1884, o conselheiro Gaspar Silveira Martins e o Coronel
Joaquim Pedro Salgado, numa viagem de campanha eleitoral, estiveram na minha
casa e lancharam comigo. No dia 26 de fevereiro de 1885 eu viajei acompanhado
de um brasileiro de nome João Fabrício, a quem eu pagava 1.500 réis por dia,
saindo de casa para Tramandahy para ir aos banhos de mar. No primeiro dia de
viagem chegamos a Santo Antônio da Patrulha, onde pernoitamos e, no outro dia,
chegamos a Tramandahy. Lá, eu tomava diversos banhos de mar por dia, mas não senti
nenhuma melhora no meu estado de saúde, motivo pelo qual, passados oito dias,
iniciei a viagem de volta para casa onde cheguei feliz. No ano de 1888, vendi
todas minhas terras, com exceção de 1/2 colônia e a casa de moradia, porque eu
cheguei à conclusão de que vocês, meus filhos, não podem ocupá-la, pois vocês
todos têm uma profissão e querem exercê-la e como eu já tinha tido muito
prejuízo de todos os jeitos e maneiras, assim, eu queria agora experimentar
emprestando o dinheiro ao Banco da Província a 4% ao ano. E, então, eu comecei
a fazer de vez em quando tamancos como passatempo. Vez que outra eu fazia uma
viagem de recreio, de um de meus filhos para outro. Nesse interim, no ano de
1893, começou a revolução. Como eu já participara da guerra dos Farrapos,
assim, de minha parte, já tinha que chega, resolvi então, sair completamente
daqui para São Martinho, para a companhia de meu filho Friedrich Wilhelm, para
não ser novamente envolvido nesta história. Lá eu permaneci bastante tempo.
Soube depois, que os Federalistas (maragatos) tinham estado em minha casa com
meu filho Phillipp e lá fizeram o que tiveram vontade. No ano de 1893 fiz uma
viagem a São João do Monte Negro e fiz um brinde no casamento de um netinho,
uma das crianças de meu filho Georg. Lá, eu mantive boas conversas e encontrei
velhos amigos. No mesmo ano eu fiz uma viagem a Santa Maria e a São Martinho,
de onde, em primeiro de janeiro de 1899, iniciei minha viagem de volta para
casa onde cheguei feliz. Para me aposentar, completamente, eu vendi a última
1/2 colônia e a casa para meu filho Phillipp, mas conservei para mim duas peças
até minha morte. Assim, eu não tinha mais bem nenhum a não ser um cavalo e uma
égua. No dia 12 de fevereiro de 1899, fiz uma viagem para Cima da Serra de
onde, depois de oito dias, iniciei o caminho para casa. Eu pretendia pernoitar
na entrada de cima da Serra mas, como estava tempo bom e o céu estrelado, eu
resolvi descansar um pouco e seguir viagem a cavalo, de modo que, às dez horas
da noite, cheguei feliz em casa. Eu tinha cavalgado 15 léguas.”
***
Após o falecimento de Heinrich, algum
descendente (provavelmente algum filho) fez as seguintes anotações, às quais
faço também alguns acréscimos:
Alguns dias mais tarde, no dia 23 de fevereiro,
Heinrich Fauth viajou para a casa de seu filho August, em Pesqueiro, para
ajudar na casa, porque seu filho tinha ido a cavalo para os banhos de mar. Lá,
na ausência do filho, que não o encontraria mais com vida, faleceu,
repentinamente, de um ataque cardíaco. Faleceu em primeiro de março de 1899.
Para lhe prestar a última homenagem nós, os seus filhos, o transportamos para
sua terra, Fortaleza, onde seu corpo está sepultado ao lado de sua querida
esposa, nossa querida mãe. Honraremos para sempre sua memória.
1. Heinrich, o filho mais velho, foi duas vezes
casado, a primeira com Elisabeth, nascida Hirt, que logo faleceu deixando dois
filhos e uma filha. Ele casou pela segunda vez com Elisabeth Schmitt, que o
presenteou com mais nove filhos. Ele fez a guerra do Paraguai e voltou para casa
como aleijado, pelo que a pátria lhe pagava uma pensão muito magra. Ele morava
na propriedade paterna, em Fortaleza, e, lá morreu, em 1897.
2. Georg, o segundo filho, foi casado com Maria
Carolina Schweitzer. Ele morava em Faxinal de São João do Montenegro e morreu
lá, em 12 de junho de 1902." Deixou nove filhos. Dentre os seus
descendentes destaco Adonis V. Fauth, pesquisador da família Fauth.
3. Katharina Fauth, nasceu a 30-11-1849 no
Kaiserwald e faleceu a 13-02-1910 em Fortaleza. Foi casada com Georg Schilling,
com quem teve dez filhos.
4. Johannes Fauth, nasceu a 14-03-1852 em
Hamburgo Velho, falecendo meses após em 14-09-1852.
5. Johannes Fauth, nasceu a 30-06-1853 em
Fortaleza, Taquara, onde faleceu a 06-06-1916. Seguiu a profissão do pai; foi
sapateiro. Casou com Maria Catharina Fleck, com quem teve doze filhos.
6. Paulina Fauth, nasceu a 14-06-1855 em
Fortaleza, Taquara, onde faleceu a 26-08-1933. Casou com Philipp Nicolau
Fischer, com quem teve quatorze filhos.
7. Friedrich Wilhelm Fauth, nasceu a 24-06-1857
em Fortaleza, Taquara e faleceu a 18-04-1906 em Santa Cristina do Pinhal.
Seguiu a profissão do pai; foi sapateiro. Casou com Catharina Timm, com quem
teve treze filhos.
8. Johann Ignácio Fauth, nasceu a 15-06 (ou
07)-1859, Fortaleza. Foi seleiro. Viveu em Montenegro, onde faleceu. Era
fabricante de selas e curtidor de couro. Casou com Albertina Lauer com quem
teve dez filhos.
9. Philipp Fauth, nasceu a 06-06-1861 no Morro
da Fortaleza, onde faleceu a 04-11-1910. Foi também sapateiro. Casou com Emília
Spindler, com quem teve onze filhos.
10. Franz (Francisco) Fauth, nasceu a
06-04-1865, Fortaleza e faleceu a 04-09-1912, Taquara. Foi alfaiate. Casou com
Oda Bela Wetter, com quem teve sete filhos.
11. August Fauth, nasceu a 16-08-1867, Fortaleza
e faleceu a 06-07-1916, Campo Bom. Era marceneiro e comerciante. Casou com
Clementina Schmitt, com quem teve doze filhos. Antepassados de Pedro Almiro
Fauth, também pesquisador da família.
12. Michael (Miguel) Fauth, nasceu a 21-12-1871,
Fortaleza e faleceu a 09-12-1913, Canoas. Era fabricante de selas e curtidor de
couro. Casou duas vezes, a primeira com Paulina Elvira Meyer, com quem teve
cinco filhos. Casou a segunda vez com Luiza Jacobus, com quem teve quatro
filhos.
***
Sou descendente da filha Paulina Fauth, nascida
a 14 de junho de 1855 em Fortaleza, Taquara, casada a 02 de novembro de 1873 em
Hamburgo Velho com Philipp Nicolaus Fischer, nascido em 15 de dezembro de 1848
também em Taquara, filho dos alemães Friedrich Philipp Fischer e de Julianna
Margaretha Seibert, emigrados no ano de 1846 para o Brasil. Paulina Fauth
faleceu em 26 de agosto de 1933 em Taquara, enquanto seu marido Philipp Fischer
em 07 de novembro de 1911 na Picada São Jacó em Hamburgo Velho. Foram pais de
14 filhos, dentre eles: Leopoldina Guilhermina Fischer, nascida a 24 de
setembro de 1877 em Fortaleza e falecida em 05 de fevereiro de 1959 em
Riozinho/RS, casada com Helmuth Schmitt, natural de Campo Bom. Deste casamento
nasceu meu bisavô Helmuth Schmidt Filho, em 02 de março de 1898, em Aurora,
distrito de Taquara/RS, fixado em Porto Alegre.
Olá
ResponderExcluirSinto orgulho em dizer que o original desta carta está comigo.
Abraço e meue parabéns
André Antônio Fauth
Caxias do Sul
Tenho cópia desta história de meu antepassado. Minha avó materna era Elvina Fauth, filha de João Fauth.
ResponderExcluirÉ maravilhoso poder ler, em 2015, um relato tão emocionante, um texto que não envelheceu. Gratidão pela oportunidade de conhecer esta história, que foi felizmante preservada e vertida para o formato digital :)
ResponderExcluirObrigado Ana Rocha. De fato a história de H. Fauth além de ser atual é emocionante. Muito me orgulho de ser descendente dele.
ResponderExcluir"Garimpando", como sempre, encontro esta preciosidade publicada na internet. Não me surpreende em nada a exemplar iniciativa de tão respeitável pesquisador. Parabéns, caro Diego.
ResponderExcluirPrezado primo Kayser, fico feliz tenha gostado da publicação, pois sempre acredito que o negócio é divulgar. Tantas pessoas e parentes já me escreveram em razão do diário, que já valeu a postagem!
ResponderExcluirAbraço!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir