domingo, 14 de setembro de 2008

Meu penta-avô matou um cara

Meu penta-avô matou um cara
autoria de Diego de Leão Pufal

A pesquisa genealógica nem sempre nos reserva apenas fatos gloriosos e boas histórias dos antepassados. Aquele que se propõe a estudar as suas origens deve estar preparado para todos os tipos de surpresas, desentendimento entre irmãos por razão de herança, traições de todo o gênero, rumorosos casos de amor, enfim histórias e estórias sem fim. Foi assim que na semana passada descobri que um dos meus penta-avôs, por dois costados, assassinou um desafeto.
João Alves de Oliveira, meu quinto avô, foi batizado em 30 de abril de 1820 em Santa Maria, sendo filho de Mariano Alves de Oliveira e de Maria Joaquina do Nascimento e neto de paulistanos, estabelecidos no Rio Grande do Sul ainda no século XVIII. Ali, João casou-se com Ignácia Barbosa, natural de Triunfo e neta de Ignácia Barbosa de Menezes que, por sua vez, era neta de Jerônimo de Ornellas Menezes e Vasconcelos.
Do casamento de João e Ignácia nasceram cinco filhos entre os anos de 1838 e 1849, todos batizados em Santa Maria: Graciano, Benedicto, Olivério, Fidirico e Francisca Alves de Oliveira. O casal e filhos residiam no primeiro distrito deste município, na localidade denominada Passo do Raimundo, na Boca do Monte.
Foi nesse cenário que no domingo de páscoa do ano de 1859, João Alves de Oliveira, saindo de trás de uma coxilha, no Passo do Raimundo, montado em um cavalo e portando uma pistola, desferiu um tiro contra Justo Gonçalves Pereira. Ferido, Justo caiu ao chão, oportunidade em que João sacou uma faca, dando-lhe duas estocadas, levando-o a óbito. Segundo a companheira da vítima, João teria feito uma emboscada e atirado pelas costas de Justo, narrando com trauma o episódio, enquanto as outras testemunhas declararam que o crime foi motivado por vingança, já que Justo teria literalmente espancado - quase até a morte - um filho de João, que não poderia ter mais de vinte anos.
Inquiridas as testemunhas, João foi pronunciado, quando determinada sua prisão. Expedido mandado de prisão, o oficial de justiça foi à residência do réu, em Bom Retiro, 6º quarteirão do 1º distrito de Santa Maria, mas não o encontrou, o que o fez retornar dias após com nove praças, quando também não obteve sucesso. Somente depois de dez anos do acontecido, em 17-11-1869, João Alves de Oliveira foi "encontrado" e preso, quando, pelo seu advogado, alegou que durante esses dez anos sempre residiu em Santa Maria e que, portanto, a prescrição se consumou.
Ouvidas mais quatro testemunhas, dentre elas: Salvador de Souza Leal, Jacob Krebs e Joaquim da Costa Pavão, declararam que João efetivamente residia no Passo do Raimundo há cerca de doze anos, sendo que antes disso residia na Boca do Monte. Já Joaquim da Costa Pavão, então com 66 anos e fazendeiro, declarou que João morava próximo ao Passo do Raimundo, no local denominado Rincão do Sarandi e que durante esse tempo todo poucas foram suas ausências, salvo uma visita à casa do filho Graciano no Cacequi, em São Gabriel, para conhecer sua nora, além de três viagens a Porto Alegre. Depois do depoimento das testemunhas, o Promotor Público concordou com a alegação da prescrição, tendo o Juiz acolhido-a e julgado extinto o processo (processo n. 926, maço 25, Primeira Vara do Cível e Crime de Santa Maria - Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul - APRS).
Da leitura dos autos e considerando a população de Santa Maria em 1859, vê-se obviamente que a não localização de João foi de propósito, talvez justificada pela motivação do crime.
Depois disso, João continuou residindo no Passo do Raimundo, até falecer em 17 de março de 1876, deixando a viúva e três filhos: Graciano, Benedicto e Francisca.
Seu inventário foi autuado em 06 de junho de 1877 em Santa Maria, sob o n. 27 (maço 01, estante 149, cartório cível - APERS), tendo sido inventariante a viúva Ignácia Barbosa e quando arrolados os seguintes bens:
- uma escrava de nome Rita, crioula, com 46 anos, avaliada em 400$000 réis;
- um escravo de nome Miguel, pardo, com 17 anos, avaliado em 900$000 réis;
- 145 rezes mansas de criar, avaliadas no total de 1:740$000 réis;
- 75 rezes xucras de criar, no total de 770$000;
- dois cavalos, "hum lazão e outro Gatiado", os dois avaliados em 56$000 réis;
- cinco cavalos, avaliados em 100$000 réis;
- dois cavalos "mais inferiores", avaliados ambos em 32$000;
- dois potros xucros superiores, ambos avaliados em 32$000;
- 25 éguas xucras, avaliadas em 100$000 réis;
- uma morada de casa com cercados, mangueira, arvoredo e mais galpões, alguns cobertos de capim e todos em mau estado, avaliada em 600$000 réis;
- uma parte de campo e matos que regula ter 500 braças de frente e 1.500 braças de fundo, no primeiro distrito, no lugar denominado Passo do Raimundo, avaliado em 3:000$000 réis.
- uma chácara com um rancho e um pequeno arvoredo tudo em mau estado na Boca do Monte, avaliada em 200$000 réis.
- uma data de matos e capoeiras com laranjeiras, sita na Boca do Monte, avaliada em 1:000$000 réis.
***
Dos filhos de João e Ignácia, apenas três chegaram à idade adulta, que seguem:
F1- Graciano Alves de Oliveira, nascido cerca de 1837 em Santa Maria e falecido em 18-11-1913 em São Bento em Carazinho. Casou-se com sua prima terceira Amélia Lauriano da Silva, nascida em São Gabriel e filha de José Lauriano da Silva e Maria Francisca Alves. Deste casamento houve quatro filhos, nascidos em Santa Maria: Maria Inácia, João, Amália e Claudino Alves de Oliveira.
F2- Benedicto Alves de Oliveira, nascido a 13-01-1838, Santa Maria e falecido a 02-03-1917 na Boca do Monte em Santa Maria, onde também casou-se com Maria Francisca dos Reis, ali nascida em 1839 e filha de Bernardo José dos Reis e Maurícia Clara de Oliveira (segundo o neto Mário da Silva Brasil, Maria Francisca dos Reis seria sobrinha do "Bravo Almirante Barroso", cujo parentesco, todavia, não se conseguiu descobrir). Benedicto foi criador e comerciante no Passo do Raimundo, tendo gerado dez filhos: João Mariano, José Benedicto, Antônio, Maria José, Pedro, Domingos, Valentim, João Inácio, Frederico e Pandonor Alves de Oliveira. A filha Maria José Alves de Oliveira casou-se em Santa Maria em 1888 com José da Silva Brasil e foram pais de Mário da Silva Brasil, meu bisavô (já tratado neste blog).
F3- Francisca Alves de Oliveira, nascida em 1849 em Santa Maria e falecida a 08-10-1936 na Porteirinha, em Dilermando de Aguiar. Ali casou-se a 25-01-1864 com seu primo terceiro, João Lauriano da Silva (irmão de Amélia Lauriano da Silva c/c Graciano Alves de Oliveira, acima citados), nascido em 1840 em São Gabriel, onde também faleceu a 11-10-1871, sendo filho de José Lauriano da Silva e Maria Francisca Alves. Após o falecimento de João, Francisca casou-se com o italiano Próspero Antônio Caetano, deixando no total 14 filhos. Do primeiro casamento de Francisca houve: Maria Laureano da Silva (c/c Pedro Dias de Menezes) e João Laureano da Silva (c/c Placidina Martins Alves e pais de Celina Laureano da Silva, minha bisavó, que se casou com o primo terceiro Mário da Silva Brasil, acima citado). Do segundo casamento houve: Silvino, Plácido, Severo, Secundino, Maria Isabela, João, Jorge, Francisco, Idalina, Maria da Glória, Maria Constância e Galdino Caetano, todos com geração em Dilermando de Aguiar, Santa Maria, São Gabriel e Porto Alegre.
Em 08 de março de 1887 foi autuado o inventário da viúva Ignácia Barbosa (n. 56, maço 02, cartório cível e crime - APRS), constando os seguintes bens:
- uma casa de moradia com galpões, mangueiras, cozinha, cercados de valor e madeiras e arvoredos, avaliada em 800$000 réis.
- um pedaço de campo anexo ao estabelecimento descrito, avaliado em 1.500$000 réis;
- 86 rezes mansas, avaliadas em 946$000 réis;
- 12 éguas - por 36$000 réis;
- 2 potros - 30$000 réis;
- 2 cavalos mansos - 40$000 réis;
- dinheiro existente em caixa: 450$500 réis;
Atualmente, muitos descendentes de João Alves de Oliveira e Ignácia Barbosa ainda carregam o sobrenome "Alves de Oliveira", sendo que outros apenas o "Alves", sem prejuízo daqueles que não mais levam nenhum nem outro, apesar de serem seus descendentes.