sábado, 9 de agosto de 2008

Poesias de Mário da Silva Brasil


Serenata



No azul profundo do celeste espaço
Argentea e bella se apresenta a lua,
Qual cysne à tona de serenas aguas,
Qual não ligeira que no mar fluctua.

E a noite calma, soberana e linda
Inspira o vate porque e bello encanta,
Lembra-lhe o anjo que o captiva e ama,
Virgem formosa, seductora e santa.

E essa deusa sonhadora e bella
A cada passo lhe segreda amores,
E elle, perdido na illusão do mundo,
Julga-se em meio de ridentes flôres.

Então, fremendo em palpitante amor,
Corre em procura da guitarra sua,
E sáe, radiante, p’ra cantar ao anjo
Que, da janella, contemplava a lua.
E após, no dorso da nocturna brisa
Um doce canto divinal desliza:

Prazer, acaso, eu teria
Si, algum dia,
Te sondasse o coração?
Está-me a dizer tu’alma
Seda e calma
Que eu não buscaria em vão!

Sim, porque a doce ventura
Meiga e pura
Não me podias negar,
Nem o amor puro e sincero,
Pois te quero
Como a ninguem sei amar.

Avaliar não pódes inda,
Virgem linda,
Nem affecto porque é cedo,
Mas, ao menos, linda flôr,
Meu amor
Para ti não é segredo!

Attende a quem pois implóra,
Desde agora,
Teu affecto puro e santo,
Que serás recompensada,
Minha amada,
Pois tambem te quero tanto!

Eis que aos seus olhos logo alguem assona,
A’ claridade, de um luar de Roma!

Era a donzella que lhe tinha amor
Como Petrarcha foi por Laura amado,
Como querido por Beatriz foi Dante
E por Ignes foi Pedro idolatrado.

Mas elle quando reconhece a virgem
Que, a ouvil-o ainda, na janella estava,
Lança de um lado sua guitarra e esquece
Os lindos versos que ella lhe inspirava.

E electrizado de um amor profundo
Não mais supporta essa vontade louca
De nos seus braços atirar-se logo,
Cingil-a ao peito para oscular-lhe a bocca.

E delirando, não supporta e dá-lhe
Um beijo em fogo que seduz e mata,
Segue ao primeiro um outro, e outro mais ...
E enfim, de beijos foi a serenata!
Santa Maria, 9-5-1909.
***

A Mulher

Teve, um dia, Deus um sonho
Tão risonho
Como é risonha a illusão,
Pois que sentiu nesse dia,
De alegria,
Palpitar-lhe o coração.

Nelle viu o Omnipotente,
Resplendente,
Um vulto de meigo olhar,
Mais radiante e magestoso,
Mais formoso
Do que uma estrella a brilhar.

Era esse vulto elegante,
Radiante,
Uma imagem de donzella,
Era uma deusa, uma fada
Que do nada
Tinha surgido tão bella.

Tal era a sublimidade
Da deidade,
Em sonhos idealizada,
Que fazel-a teve em mente
O Omnipotente,
Que tudo crêa do nada.
Resoluto em seu intento,

Num momento,
Formou na terra a mulher,
Porem sem alma e sem vida,
Sem guarida,
Sem o coração siquer.

Deu-lhe, então, a fórma humana
Soberana,
Esbelta, meiga e mimosa,
Insuflou-lhe um’alma pura
De candura,
Deu-lhe uma vida ditosa.

Deu-lhe um coração bondoso
E amoroso
Fonte do mais puro bem,
Deu-lhe o homem para amal-a,
Veneral-a,
Para amparal-a tambem.

Viu-se, após, Deus satisfeito
Por ter feito,
Com tanto esmero e fineza,
Sua obra prima: a donzella,
Rosa bella
Do jardim da natureza.
Santa Maria, 31-7-1909.